Postagens

Mostrando postagens de maio, 2019

A ponte dos que ficaram

Imagem
Marcus Vinicius Batista Assisti duas vezes, em tempos recentes, ao documentário A Ponte , de Eric Steel. O diretor e sua equipe acompanharam, durante um ano, a movimentação de pessoas na Golden Gate, em São Francisco, nos Estados Unidos. A ponte é o local público onde mais acontecem suicídios no mundo. No período da gravação, entre 2004 e 2005, ocorreram 24 mortes. O recorde é de 500 mortes em um ano. O filme é desconcertante, não apenas por discutir um tema considerado tabu na sociedade contemporânea. A Ponte é uma reflexão a partir daquelas pessoas que ficaram . A equipe de filmagem registrou vários suicídios. Houve também o testemunho de diversos salvamentos. Quando alguém se jogava na água, a equipe de produção do filme avisava a polícia pelo rádio e chegou a ajudar no resgate dos corpos. A partir das imagens, o diretor e a equipe de produção procuraram familiares e amigos para que falassem sobre o assunto. Os depoimentos são mais chocantes e perturba...

O lugar escuro

Imagem
Marcus Vinicius Batista O livro “O lugar escuro”, de Heloisa Seixas, é um daqueles casos de namoro mal resolvido. Tentei lê-lo uma ou duas vezes, mas sempre o abandonei no meio do caminho por excesso de trabalho. Há alguns anos, resolvi usá-lo como exemplo em sala de aula. Reiniciei a leitura e, três dias depois, me arrependi: por que não o li antes? A obra é um tratado de amor entre pais e filhos. Escrito em primeira pessoa, o livro expõe as vísceras de Heloisa Seixas a partir do relacionamento com mãe, portadora do Mal de Alzheimer. O texto é de uma honestidade assustadora. Nenhum dos envolvidos é poupado. Nenhum ganha destaque nos álbuns de família. Não há espaço ou tempo para sorrisos ou para lamentações. Somente sentimentos que sangram a cada instante particular da doença. Heloisa Seixas fala da condição da mãe a partir do termo “loucura”. A senhora que se arrumou para o café da manhã como se estivesse em casa. A mulher que perdeu as pa...

Calafiori e o sanduíche de quinta-feira

Imagem
Marcus Vinicius Batista A última conversa aconteceu há três dias. Ele me convidou para um café que, na verdade, viraria lanche às cinco da tarde da próxima quinta-feira. Um sanduíche de queijo branco, provavelmente acompanhado por presunto. Como bebida, suco de uva integral. Ele me avisou que me daria alguns livros, o que sempre acontecia em nossos encontros, na casa dele. Da última vez, ele me deu Joyland, de Stephen King. Preferia os contos do escritor norte-americano aos romances. “Ele, às vezes, escreve demais.” Pegou emprestado um romance policial, que pertencia a um amigo comum, o André Rittes. Aprendi com Calafiori a ideia de que livros devem circular e que só se mantém vivos se passarem de mão em mão. Livros, também, salvam as contas em meses muito apertados. Ele me reapresentou o Américo, um colega de futebol e hoje comerciante de livros usados. Encontrei Márcio Calafiori há cerca de um mês. Ele estava cerca de 20 quilos mais ...

A beleza da morte

Imagem
Marcus Vinicius Batista “A Partida” é um daqueles filmes tão belos, capazes de tratar temas dolorosos com delicadeza, que quase nos impede de começar um texto sobre ele. É o tipo de história que, além de arrancar uma lágrima de melancolia e admiração, nos deixa paralisado diante dos letreiros que sobem na tela. O tempo de maturação ganha tom primordial para nos fazer compreender onde e como o filme nos atingiu. “A Partida” é uma produção japonesa, vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2009, que fala sobre a morte. É a história de Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki), violoncelista que perde o emprego após o fechamento de uma orquestra em Tóquio. Ele desiste da vida como músico e retorna para a cidade natal, no interior, ao lado da esposa. À procura de novo trabalho, responde a um anúncio de jornal da empresa NK agents, que “ajuda a pessoas a partir”. Daigo acredita ser uma agência de viagens, mas descobre que teria que trabalhar como “preparador de...

Tempos de luto

Imagem
Marcus Vinicius Batista Perdi uma pessoa importante em tempos recentes. Amigos perderam pessoas essenciais em suas vidas. Colegas se foram; ex-chefes, também. Todos em um mês. Quando a morte nos visita aos trancos, sem avisos , ela nos força à reflexão sem direito de escolha. Vivemos numa época em que o luto pouco recebe atenção. Precisamos dele como instrumento de libertação, de conversa definitiva com quem se foi e, principalmente, como bússola para compreensão de um relacionamento e dos próximos passos. O luto é retrato das contradições de um período histórico no qual nos soterramos em imagens, enquanto escapamos da serenidade das experiências. Transformamos o luto, como tudo na vida, em ato intenso, porém oco . Em vivência intensa, com olhos de quem enxerga, mas não avalia, pondera ou tenta localizar o próprio lugar diante de quem partiu. Inserimos pessoas em estantes para exibição, e não em gavetas definitivas, para que possamos abri-las. O luto foi esmigalhado pela vel...