Tempos de luto
Marcus Vinicius Batista
Perdi uma pessoa importante em tempos recentes. Amigos perderam pessoas essenciais em suas vidas. Colegas se foram; ex-chefes, também. Todos em um mês. Quando a morte nos visita aos trancos, sem avisos, ela nos força à reflexão sem direito de escolha.
Vivemos numa época em que o luto pouco recebe atenção. Precisamos dele como instrumento de libertação, de conversa definitiva com quem se foi e, principalmente, como bússola para compreensão de um relacionamento e dos próximos passos.
O luto é retrato das contradições de um período histórico no qual nos soterramos em imagens, enquanto escapamos da serenidade das experiências. Transformamos o luto, como tudo na vida, em ato intenso, porém oco. Em vivência intensa, com olhos de quem enxerga, mas não avalia, pondera ou tenta localizar o próprio lugar diante de quem partiu. Inserimos pessoas em estantes para exibição, e não em gavetas definitivas, para que possamos abri-las.
O luto foi esmigalhado pela velocidade da vida prática. Mal suportamos os rituais de morte, que se aproximam de convenções sociais e se afastam de despedidas. Somos pressionados - e pressionamos - a chorar pelo tempo do sepultamento para depois retornamos com a cara lavada para o cotidiano que flerta com a desumanidade.
A vida segue, diz um dos bordões do momento. Vida com a ausência e a saudade sufocadas e entorpecidas na pilha de compromissos que aliviam, mas adiam o inevitável. Adiamos com burocracias o instante de um diálogo entre quem ficou e quem morreu. Adiamos as lágrimas sentidas, duras e necessárias, que deram lugar para espasmos, porém sem tempo para a dor.
O outro lado do luto se faz presente no mundo virtual. Os memoriais se multiplicam em redes sociais, numa tentativa de socializar, como uma comunidade, a dor. O luto, ato particular, se torna coletivo e - por que não? - festivo. Não cabe a mim julgar como cada um deve se manifestar, mas não posso deixar de pensar que ela, a morte, e seu rastro, o luto, viraram ingredientes do mundo do espetáculo.
O lado positivo é que, em parte, se retomou a morte como pauta. Recomeçamos a falar sobre o tema, embora de maneira breve. Conseguimos, no mundo virtual, combater com paliativos a leitura cultural da morte no século passado, que empurrava o luto e a perda para o silêncio e o tecnicismo hospitalares. Combater significa luta em andamento, nada de vitória certa.
Desconfio que o luto, no sentido virtual, não representa exatamente uma experiência, mas um simulacro dela. O teclado e o monitor fingem nos proteger, seja como filtros tecnológicos, seja como a falsa ideia de anonimato e impunidade pelos discursos.
Precisamos pensar mais naqueles que se foram. Conversar com eles e sobre eles. De preferência, sem a velocidade e o pragmatismo utilitários. Este me parece ser o melhor caminho para fazermos o correto no último estágio: acertar as contas.
Se não foram acertadas em vida, que sejam agora com serenidade e sabedoria, remédios com chance de expurgar culpas e arrependimentos. O resto são placebos para, outra vez, fugirmos da morte e endeusá-la como tabu.
Parabéns pela inciativa, Marcus. Saudade é tema fantástico. Morte e transformação também. Gosto muito de um trecho do evangelho em que os fariseus tentam atingir João Batista no mais frágil ponto humano, a vaidade, o apego, e lhe dizem: Aquele a quem tu batizaste prega e reúne mais gente que tu. Ele, apontado pelo próprio Messias como o maior entre os nascidos de mulher, dá uma resposta inesquecível: É preciso que eu diminua e ele cresça. É preciso que antigas relações, situações e pessoas, em seu caráter simbólico, morram para que nos transformemos. Jesus disse que ninguém vai ao reino dos céus se não nascer de novo. Não disse, por ser tão óbvio, que ninguém nasce de novo se não morrer.
ResponderExcluirSalve Batista! O campeão voltou!!!! Que alegria vê-lo em plena forma novamente. Sobre o luto e as redes sociais.... Vejo que as redes sociais são um gigantesco cemitério de defuntos semivivos. Assombram a vida de todos pelo Facebook mas na rua nao são capazes de oferecer ajuda a um idoso com sacolas pesadas. Fantasmas modernos. Forte abraço irmão!
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